ROBOCOP: ponderações e comparações

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A leitura do texto a seguir é recomendada para quem já assistiu às duas versões.

Por mais que se diga que cada filme é um filme, no caso de “RoboCop” (e de tantas outras refilmagens), a comparação é inevitável. Claro, o longa-metragem de José Padilha tem seu próprio universo, sua própria vida, o que é ótimo. Mas quando o original é tão bom, quase irretocável, como é o clássico de Paul Verhoeven, um dos diretores mais subestimados de sua geração, é muito difícil mesmo ficar plenamente satisfeito com a nova versão. Trata-se, na verdade, de uma derivação, de um filme que tenta voar por conta própria, mas que não alcança grandes alturas. O que mais chama a atenção é que o remake não é, de fato, sobre o RoboCop, sobre Murphy, o policial. É sobre o projeto RoboCop, ou talvez nem isso.



Padilha vem de uma tradição de filmes que falam sobre o sistema, ou do enfrentamento dos indivíduos contra esse sistema, não interessa se nos documentários (“Ônibus 174” e “Garapa”) ou nas ficções (os dois “Tropa de Elite”). Ele aplica aqui a mesma vontade de vilipendiar a política corporativista, ou o corporativismo político, que vem regendo as sociedades. Não é difícil imaginar que ele foi chamado pelo estúdio para fazer esse remake, que estava em desenvolvimento há mais de uma década, por causa do “Tropa de Elite”, onde ele une a temática política e o filme de ação com sucesso. E neste “RoboCop” é isso que você encontra.

Padilha, com o roteiro de Joshua Zetumer (um novato), fala da política bélica dos Estados Unidos, recortada na polêmica do uso de drones (aqui evoluídos para a forma de ciborgues e robôs superarmados e superinteligentes), além de tocar em temas como a mídia sensacionalista e parcial (com Samuel L. Jackson praticamente reprisando o papel de André Mattos em “Tropa de Elite 2”). Ele também volta a tratar do tema corrupção policial, mas sem chegar perto do que faz na batalha do Capitão Nascimento. Porém, o grande vilão do filme é o personagem vivido por Michael Keaton, um empresário mais interessado em publicidade do que em segurança pública e que assume o controle do projeto RoboCop. É diferente do que ocorre no filme de 1987, escrito por Edward Neumeier e Michael Miner, onde é da terceirização da polícia que Verhoeven trata de forma a mostrar a insatisfação dos próprios policiais e da população com a política de segurança pública — ao passo de que a refilmagem coloca a inserção do RoboCop no departamento de polícia e nas ruas como condição sine qua non, inquestionável.

O fato de tocar em todos esses temas não quer dizer que o filme lide com eles. Padilha ilustra o seu cenário com essas questões, enquanto Verhoeven me parece muito mais sintético e preciso ao convergi-los para o drama de Murphy (vivido por Peter Weller primeiro e por Joel Kinnaman agora). Na versão de Padilha, o policial é uma vítima e torna-se praticamente uma marionete a partir de certo momento do filme, quando até mesmo o médico vivido por Gary Oldman coloca seus interesses próprios acima da ética (no original, o personagem do “criador”, interpretado por Miguel Ferrer, pode ter seus desvios, mas não é corruptível como o de Oldman; ele é um “Dr. Frankenstein” mais verdadeiro). A família de Murphy também exerce um controle maior sobre seu destino, pois a forma como a história é conduzida acaba pedindo que a esposa (papel de Abbie Cornish) apareça para salvá-lo, para não deixar que ele se torne, de fato, a marionete que o sistema quer.

No “RoboCop” de Verhoeven, Murphy é, sim, uma vítima, mas seu lado humano luta a todo momento para sobressair à máquina. Nessa questão mesmo da família, que surge como uma memória, temos uma cena belíssima quando ele volta para casa e relembra de sua vida pregressa. E até o final ele é movido por uma vingança pessoal, mas também de dever civil, já que os bandidos que o fuzilaram são realmente párias (e o filme de Padilha é sanitizado ao extremo na violência gráfica, o que, entende-se, foi imposição do estúdio).

Há, no original, um envolvimento também com os políticos, há corrupção, há tudo que o novo longa trata, mas de forma mais organizada, mais encaixada. Coisas que o remake, para não copiar (devia ter copiado), modifica e acaba estragando. O sistema de diretivas é provavelmente a sacada mais genial do roteiro de Neumeier e Miner, pois é o fator principal que impede Murphy de seguir seu livre arbítrio, coisa que na refilmagem é mostrada de forma simplória (um “grampo” no cérebro) e resolvida de maneira anticlimática.

São esses fatores que fazem do original um filme sobre uma pessoa que se vê sendo colocada contra a sua vontade dentro de um sistema odioso e que encontrará seu meio de se libertar e, mais do que isso, de se posicionar. Já o novo RoboCop se revela mais como um peão, me parece, para que o diretor passe a sua mensagem, demonstre o seu ponto de vista, quase como o resultado de uma expressão matemática. ■