A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA: Faroeste à brasileira

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É uma pena que tenha demorado quatro anos para “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” chegar ao circuito comercial. Mais lamentável ainda é o fato de que o filme está passando despercebido e não deve durar mais uma semana semana em cartaz.

Dirigido pelo estreante Vinícius Coimbra, o longa leva o clássico literário de Guimarães Rosa para a tela, mistura ingredientes do faroeste clássico e da tragédia grega, acrescentando o necessário tempero brasileiro.



A história do fazendeiro violento que é traído pela esposa e deixado para morrer após uma emboscada já havia sido adaptada para o cinema antes, no clássico de 1965, dirigido por Roberto Santos e com Leonardo Villar no papel principal. O protagonista agora é João Miguel, um dos mais interessantes atores de sua geração e que aqui consegue passar para o público todas as transformações que seu personagem sofre ao curso do enredo: ele deixa a truculência para se tornar um arauto, mas na verdade está mais para um anjo exterminador.

O arco dramático de Augusto Matraga transcorre como uma história, ou melhor, uma fábula de vingança, em que a religião tem grande importância, já que a ação é situada no sertão mineiro, onde o misticismo se faz presente na vida de todos. O roteiro, também assinado por Vinícius Coimbra, ao lado de Manuela Dias, preserva a poética de Guimarães, usando, nos diálogos, o vasto arcabouço de expressões que o escritor coletou para formar a linguagem estilizada e peculiar de sua obra.

As pessoas não falam comumente daquele jeito e dessa forma o filme se afasta da esfera realista que o cinema brasileiro geralmente busca ao retratar aquele tipo de cenário. Como Guimarães, Coimbra busca o mito e, ainda que corra riscos de ser muito literal (e literário), sintetiza muito bem o espírito do material de origem, ao mesmo tempo em que articula elementos típicos do faroeste, com citações visuais a grandes diretores que modelaram o gênero, como John Ford e Sergio Leone. É o que se pode perceber em diversos enquadramentos e no uso da câmera lenta no grande tiroteio final.

Aí, o mérito também deve ser dado à direção de fotografia de Lula Carvalho e seu pai, o renomado Walter Carvalho, que exploram muito bem os cenários da histórica Diamantina, tornando o interior um espaço épico, enaltecido ainda pela trilha sonora orquestrada.

Quem também brilha na tela é José Wilker, em um de seus últimos trabalhos. Ele interpreta o jagunço Joãozinho Bem-Bem, e, assim como o renovado Matraga de João Miguel, lança o olhar do diabo por baixo da face serena. O elenco todo está muito bem, na verdade, com presenças iluminadas de Chico Anysio, Irandhir Santos e Vanessa Gerbeli.

O filme poderia usar mais da sugestão em alguns momentos, e até mesmo em seu desfecho caberia uma certa ambiguidade no lugar da redenção. De todo modo, Coimbra se revela um diretor de talento promissor, que nos deixa ansiosos por seu novo filme, “A Floresta que Se Move”, selecionado para o Festival do Rio deste ano. Mas tomara que não leve tanto tempo para este chegar aos cinemas também. ■